27 de novembro de 2010

Lumekuninganna (The Snow Queen), de Marko Raat (Estônia/Noruega, 2010)

Embora absolutamente distinto em estilo, este Snow Queen faz curiosa dupla com Temptation of St. Tony, citado mais abaixo - associação ainda mais inevitável quando se vê os dois no mesmo dia, como foi meu caso. Formalmente, chama a atenção de novo uma tendência ao desconcerto na maneira como cortam abruptamente sequências em momentos de pico de dramaticidade, assim como realizam elipses e associações de imagens/climas absolutamente inesperadas. Mas, mais do que isso, o que dá um sentimento que talvez tenha algo de "estoniano" no fundo é uma maneira de mergulhar na ficção através de uma estranheza que, mais alegórica lá e mais simbólica aqui, certamente não tem quase nada a ver com nada que estejamos acostumados a ver com frequência. No caso deste filme, há que se destacar ainda o trabalho da atriz principal, que cria junto com a bela fotografia uma sensualidade quase mórbida mas extremamente carnal no retrato de uma mulher que, com câncer terminal, resolve seguir os conselhos de um guru amalucado e ir morar praticamente dentro de um lago congelado. A violência nunca está longe (física e psicológica), e o filme se constroi mesmo nas constantes quedas de braço emocionais dos personagens. Só que, sem nenhum trocadilho, o filme patina bastante numa certa repetição, inclusive na forma de lidar com a sua trilha sonora, por exemplo, como elemento criador de um "estado alterado". Resulta irregular, eventualmente enfadonho, mas difícil de se desinteressar visual ou sensorialmente.
(visto no cinema Solaris 6, em Tallinn, Estônia)

Lobotoomia (Lobotomy), de Yuri Khashchavatski (Estônia/Bielorússia, 2010)

Tomando como foco principal a recente guerra imposta pela Rússia à Geórgia, Lobotomia passeia em território bastante próximo do registro michaelmooriano - e embora seu diretor não assuma uma presença física na tela, sua voz em off surge constante e hiperpresente, quase sempre escorada por um fundo musical irônico baseado numa tarantella. Como Moore, ele também luta alguns bons combates importantes (especialmente no hipercontrolado tema da mídia e da manipulação de imagens do governo russo), e também como Moore nos apresenta alguns dados e imagens de arquivo bem impressionantes. No entanto, a força destas qualidades fica um tanto subjugada por uma montagem caótica que parece disposta a ir a qualquer lugar em qualquer momento, esvaziando um pouco seu raciocínio (ou ao menos tornando-o certamente menos acompanhável), assim como eventualmente seu humor se torna por demais cínico para que partilhemos dele de fato - embora ao fazer isso acabe revelando um inegável traço de personalidade da região (a capacidade de rir de desgraças bastante graves, e de fazê-lo com enorme fatalismo).
(visto em projeção digital no cinema Solaris 6, em Tallinn, Estônia)

Püha Tõnu Kiusamine (The Temptation of St. Tony), de Veiko Öunpuu (Estônia/Suécia/Finlândia, 2009)

Veiko Öunpuu não é um nome conhecido ainda no Brasil, nem mesmo nos festivais, mas já está no seu terceiro longa com alguma visibilidade no circuito internacional, sendo que este aqui foi exibido, por exemplo, em Roterdã e Sundance. Logo nos primeiros planos ele nos deixa entrever um pouco seu universo pessoal como cineasta, que ao mesmo tempo que nos remete a uma série de características comuns a um Béla Tarr ou Miklos Jancsó, mistura uma certa grande ambição artística com um humor absurdo, rasgado e dolorido, bem típico dos bálticos. Seu filme é bastante episódico (não por acaso, aliás, é dividido em 5 capítulos), mas o que realmente chama a atenção é uma tendência ao corte e à elipse em momentos bastante inesperados e súbitos na cena. A intenção (atingida) parece ser a de manter o espectador constantemente desorientado e incomodado, incapaz de se instalar com mais tranquilidade no mundo proposto. O filme transita entre a sátira alegórica com alguns dos suspeitos usuais como receptores (a sociedade burguesa, mas também os resquícios autoritários e burocratas do passado soviético), e um mergulho lisérgico num quase universo paralelo onde surge inclusive um inesperado Denis Lavant em cena. Há uma tendência um pouco sufocante de auto-importância artística que faz lembrar aqui e ali o pior de um Carlos Reygadas, mas há também uma inegável força de instalação e de aposta no risco (inclusive de perder de vez o espectador).
(visto no cinema Coca-Cola Plaza 2, em Tallinn, Estônia)

Seersant Lapinsi Tagasitulek (Return of Sargeant Lapins), de Gatis Smits (Letônia/Suécia, 2010)

Quem não conhece o humor letão? Certamente, eu não conhecia até ver este filme aqui na competição dos filmes bálticos do festival Black Night na Estônia, na qual eu estou como jurado. O filme nos pega um tanto de calças curtas com sua sensibilidade bastante particular - algo que certamente se repetirá ao longo destes dias, pois se o Leste Europeu tem um sentimento de mundo claramente todo dele, as ex-repúblicas soviéticas do Báltico parecem particularmente capazes de nos mergulhar em mundos estranhos. Assim, ele mistura alguns registros bem inesperados num humor que passa do absurdo à comédia de costumes com rapidez impressionante, e ainda joga no caldeirão uma sátira bem dolorida sobre o efeito da guerra sobre um personagem. No entanto, se inegavelmente ele constroi algumas piadas realmente boas (além de outros momentos em que não chegamos a rir, mas soltamos um sonoro "What the fuck!"), falta ao filme uma capacidade de dar conta do seu universo peculiar de personagens de maneira mais orgânica, que os torne igualmente interessantes. Há ainda uma certa confusão de ritmo e de andamento, com idas e vindas um tanto desnecessárias no tempo. (Filme visto na Sala Nokia do cinema Solaris, em Tallinn, Estônia)

26 de novembro de 2010

De volta

Esse blog foi bruscamente interrompido há pouco mais de sete meses, como de resto parece inevitável a todo e qualquer blog. Isso se deu principalmente pelo comportamento obsessivo-compulsivo de seu "dono", que uma vez atropelado por circunstâncias de trabalho e pelo acúmulo de filmes vistos sem conseguir anotar aqui o seu devido "parágrafo", preferiu parar de fazer já que não daria pra cuidar de todos do que simplesmente pular uns ou outros filmes.

O plano original era retomá-lo na virada do ano, mas enfrentemos o clichê do "ano novo, vida nova", de resto pouco mais que uma ilusão que criamos para nós mesmos. Façamos logo agora, primeiro pelo motivo prático de estar neste momento vendo muitos filmes num festival em Tallinn, Estônia, vários dos quais imagino que ficarão fora do alcance dos leitores brasileiros da Cinética, e aí a partir daqui podem ser minimamente registrados pra futuro interesse ou busca (se é que me entendem) dos amigos. Mas, segundo e não menos importante, porque a sensação de impotência e tristeza com o que acontece atualmente no meu Rio de Janeiro (e embora nada tenha de ufanista nem patriota - nacional ou local - me parece politicamente essencial assumir o pronome possessivo agora) me pede algum tipo de produtividade que salve da loucura. Vamos a ela então.