29 de junho de 2011

Série de textos sobre Claire Denis

http://www.kinoeye.org/index_03_07.php

Entrevista com Claire Denis

http://www.sensesofcinema.com/2002/23/denis_interview/


Beau travail, de Claire Denis (França, 1999)

Beau Travail é um daqueles filmes que nos impõem o limite de lidar com a matéria audiovisual usando meras palavras. A verdade é que nada que eu escreve servirá nem pra quem viu o filme reconhecer aqui sua experiência, nem pra quem não viu o filme entender porque ele é algo tão forte que se carrega conosco - pela duração e depois. Mas, tentar essa inútil ponte segue sendo a sina do crítico (mesmo "ex"), e não fujamos dela portanto. Claro, antes de tudo, que ele é o filme que, junto com o seguinte Trouble Every Day (2001), potencializa e encontra no ápice do domínio/risco/encontro tudo que estava no cinema de Claire Denis desde os primeiros filmes (muito falados abaixo), e cuja força é tão grande que ameaçaria muito os próximos (e me parece notável como ela - e seus colaboradores - conseguiu fugir destes perigos, com humor, sensibilidade, inteligência e autoconsciência - algo parecido por exemplo, com o que se deu com o Tarantino pós PulpFiction/Jackie Brown). Mas algumas coisas se deve dizer: primeiro sobre a forma como o filme usa dois elementos para além (ou em complemento) ao seu já muito decantado "cinema do corpo" (elementos que estão em seus outros filmes, mas aqui se mostram decisivos demais) - a paisagem e o rosto. Entre o rosto de Denis Lavant e as paisagens desérticas aqui expostas, todo um universo existe. Um universo que nos remete pra trás no cinema (Apocalypse Now, certamente) e se expande pra depois (Gerry, por exemplo), mas que acima de tudo choca pela mistura de coerência total (portanto remete a muito pensamento, conceito, ideais) com um instinto de cinema e de vida incomum nos planos, cortes, encenações, música. É um filme que ao mesmo tempo que apresenta todo seu jogo já na primeira sequência, não para de nos fascinar e surpreender. O que mais se pode dizer sem só soar ridículo no elencar de superlativos? Apenas que não é fácil entender como um filme consegue ser tão abstrato a partir do que há de mais concreto no mundo (as presenças - dos corpos, dos atos, dos espaços) - ou vice-versa. O filme resta um mistério. Que bom.
(boa leitura: http://www.kinoeye.org/03/07/delrio07.php)
(entrevistas: http://www.bfi.org.uk/sightandsound/feature/30;
http://film.guardian.co.uk/interview/interviewpages/0,,338784,00.html)
(visto na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Deslocamento)

28 de junho de 2011

Noites Sem Dormir (J´ai pas sommeil), de Claire Denis (França, 1994)


Assisti Noites Sem Dormir em 3 situações muito distintas: primeiro na época, sem nenhuma referência de Claire Denis e antes até de entrar numa faculdade de cinema (e com menos de 20 anos de idade); depois, na Sessão Cineclube da Contracampo, já com alguma noção de quem ela era e devidamente (de)formado em cinema (mas ainda com menos de 30 anos); e revejo agora, em meio à mostra completa dela, já tendo não só visto a maioria dos filmes posteriores, como finalmente os dois anteriores (ainda com menos de 40 anos). Certamente, vi 3 filmes muito diferentes, entre o primeiro que em grande parte me escapou completamente mas deixou algumas imagens na memória; o segundo que me chocou (positivamente) e me apresentou muitas coisas que eu ia rever e repensar; e este terceiro, que surge muito mais domesticado - pelo meu conhecimento da própria carreira dela, pelo contexto particular do seu cinema. Por isso tudo, talvez este terceiro tenha sido o Noites Sem Dormir que eu mais entendi e "apreciei", mas também o que menos me impressionou. Digo, estava tudo lá, da "coerência com as questões" que tanto traz prazer aos autoristas (não tô me excluindo do lote não, longe disso), até os "reconhecimentos audiovisuais" (de atores a modos de expressão pela linguagem às irrupções de música), mas confesso que faltou justamente o sentido de choque e estranheza que alguns de seus outros filmes me trazem ainda hoje (com algumas exceções, como os planos de abertura, nada domesticáveis - dos policiais rindo no helicóptero). O sentimento de "displacement" que povoa esse filme de imigrantes e pessoas que moram em hoteis é forte, e existe uma ponte entre ele e o Summer of Sam do Spike Lee que realmente cria uma linha a ser explorada de aproximação entre os dois muito interessantes. Acho que o Juliano (Gomes) tem razão: é inegavelmente um belo filme se pensado em relação ao mundo de cinema que existe por aí, mas no contexto de imersão na Claire Denis mesmo, acaba não batendo tão firme.
(da série "boa leitura": http://www.contracampo.com.br/sessaocineclube/noitessemdormir.htm)
(visto - pela terceira vez - no Cine Maison, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Movimento)

25 de junho de 2011

S'en fout la mort, de Claire Denis (França/Alemanha, 1990)


S'en fout la mort se constroi na diferença e complementaridade do "jogo" (como tanto gostam de dizer os franceses) de Alex Descas e Isaach de Bankolé, seus protagonistas. Atores-assinatura de Claire Denis, os dois encontram aqui, bem cedo nas carreiras, personagens perfeitos para externarem toda sua capacidade de expressar-se com o corpo todo, e sem precisar dizer muito. Nesse que talvez seja seu filme mais linear e direto, Denis faz pensar, mais que em qualquer outro filme, no que pode ter lhe restado nas experiências como assistente de Wim Wenders e Jim Jarmusch. De Wenders, um certo prazer cinéfilo de gênero que cerca, por exemplo, o personagem de Jean-Claude Brialy (além, claro, da presença de Solveig Dommartin, recém-saída de Asas do Desejo); de Jarmusch, um universo marginal das periferias das grandes cidades, e um certo humor físico na construção desse duo principal (algo presente em Down By Law e Estranhos no Paraíso, os dois filmes em que trabalharam juntos). De fato, tanto na música como no clima do espaço montado onde se passa o drama (além do jogo de construção de personagens), há algo no filme que remete muito aos EUA, mesmo que seja os EUA de um certo cinema. É uma obra que traz muito das preocupações constantes de Denis, ao mesmo tempo em que ainda representa uma busca, principalmente estética (saímos dos quadros precisos de Chocolate para a câmera na mão hipercinética). Um filme cheio de energia, mas com um tanto de desespero e represamento - como boa parte da sua obra.
(visto na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Deslocamento)

L'Intrus, de Claire Denis (França, 2004)


Pode até ser que, tendo em vista as ideias que me vieram ontem nos filmes da mostra, eu tenha revisto pela quarta vez este filme querendo encontrar nele algo que eu projetava - mas, fazer o quê, assim é a vida de ver e rever filmes em momentos distintos. Só que o fato é que L'Intrus parece mesmo a resposta perfeita às inquietações que eu mencionava abaixo a partir de Vers Mathilde e Vendredi Soir. L'Intrus é um filme que tem esse peso de redescoberta do cinema, de desafiar a si mesma, e se jogar sem rede de segurança. É um filme que respira essa liberdade completa, essa falta de compromisso até mesmo com o seu espectador, de poder colocar em risco a cada corte, a cada plano, a relação que se estabelece (ou não) entre a tela e quem assiste. O fato de que o filme hoje me pareça um tanto mais cristalino (basicamente um estudo sobre a ideia de herança, sobre o que deixamos e decidimos deixar no mundo - e nisso o uso das imagens de um filme de 40 anos com o mesmo ator é cada vez mais estupefante) não retira o tanto dele que permanecerá sempre misterioso, pois emana dos acordes ao mesmo tempo simples e complexos da trilha de Staples, dos rostos de Subor, Dalle, Collin, Golubeva, Descas (na tela por mais ou menos um minuto), da forma como as figuras desenhadas por Denis e Godard conseguem ser ao mesmo tempo tão etéreas e possuírem tamanho peso. Um filme musical, e um filme animal. Um filme ao qual se volta como se reencontra um velho amigo: não há como cansar dele, pois ele sempre parece familiar e cheio de novidades.
(mais uma boa leitura: http://www.sensesofcinema.com/2005/35/claire_denis_interview/)
(visto - pela quarta vez, todas no cinema - na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, na mostra Claire Denis: Um Olhar em Deslocamento)

Vendredi Soir, de Claire Denis (França, 2002)


Voltar a um filme nove anos depois da primeira vez, com tudo que o filme mudou, você mudou, o cinema mudou e a cineasta mudou, é sempre um prazer. Relembra aquela frase que o Carlão gostava de repetir ("o importante é rever") - por mais que ela seja, no fundo, impossível de atingir de fato como norma. Nessa revisão, eu vi com muita força 3 coisas sobre Vendredi Soir. A primeira, que eu já tratei aqui embaixo ao falar do Vers Mathilde, é como o filme me parece autoconsciente, à beira da autoparódia, radicalizando tudo que Claire Denis e Agnès Godard já tinham descoberto de que eram capazes no Trouble Every Day. Só que isso me leva de fato ao segundo ponto, que talvez tenha me escapado (ou eu não lembrava) na força que tem no filme, que é o humor. Claire Denis tem um um humor muito particular, quase não discutido (e muitas vezes não visto), e neste filme ele está presente em muitos e muitos momentos. De fato, como comentei na saída com o Juliano, me parece que em Vendredi Soir Denis e Godard estão "de brincadeira" - em muitos sentidos. Existe uma infantilidade no filme que é deliciosa, e que só se multiplica quando pensamos nos olhos tão incrivelmente inocentes/sapecas que tem Valerie Lemercier. Só que existe o terceiro ponto, que contrabalança os dois, que é a forma como elas vão fundo em conseguir atingir no filme uma certa expressão do olhar feminino pro sexo (ou pelo menos como eu consigo entendê-lo, o que, em não sendo mulher, é um tanto parcial e experimental - mas vá lá que seja). De verdade, eu lembro de poucos filmes que tenham se irmanado tanto a uma perspectiva frontal e sensorial do fenômeno do tesão feminino como esse - e que isso venha à tona num filme que eu chamo de "brincadeira" me parece tanto mais saudável. Por tudo isso junto, confesso que me veio à mente seguidas vezes ao longo do filme que talvez ele seja uma mistura inaudita entre O Mágico de Oz e Emmanuelle - imagem que eu honestamente não posso nem querer tentar explicar, porque faria automaticamente com que perdesse boa parte de sua graça.
(visto - pela segunda vez - na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Deslocamento)

Vers Mathilde, de Claire Denis (França, 2004)


Pode-se sintetizar o cinema todo de Claire Denis dizendo que ele filma a dança dos corpos no mundo, e por isso mesmo fazer um filme sobre o trabalho de uma coreógrafa seria apenas natural. No entanto, Vers Mathilde suplanta totalmente a simplicidade dessa afirmação, exatamente por reafirmá-la com uma força quase impressionante de "statement". De fato, talvez não seja absurdo até vermos este filme, junto com Vendredi Soir (imediatamente anterior), como dois trabalhos em que Denis revela o ápice da autoconsciência sobre suas capacidades e objetivos como realizadora - atingidos, talvez, em Trouble Every Day, imediatamente anterior. São filmes que, sem perder a potência, podem ser lidos como quase auto-paródicos, ainda que de maneira muito diferentes - e nisso o fato de que Mathilde Monnier seja tão parecida fisicamente com Claire Denis apenas serve como ironia máxima. Nesse sentido, talvez ganhe uma força muito maior a sequência em que Mathilde sussurra para a câmera (e para a presença em tela de Claire Denis, pela única vez no filme) a sua própria crise como criadora - que pode ser, então, jogada para Claire. Como não se repetir, como reencontrar a surpresa, como não seguir o caminho fácil - é o que se pergunta Mathilde, e é o que parece se perguntar Claire nesse momento de sua carreira. É essa pergunta a que parece mover o filme, e a resposta que encontra está no trabalho - e nisso a dança acaba assumindo um papel muito potente de imagem desejada da arte: aquela que requer do corpo o máximo esforço para se atingir um resultado.
(visto na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Deslocamento)

Chocolat, de Claire Denis (França/Alemanha, 1988)


É sempre muito curioso "chegar" ao primeiro filme de uma realizadora quando já estamos, por assim dizer, 23 anos no futuro da sua carreira. Seria o ideal, claro, vê-lo fora deste contexto, mas é muito, muito difícil conseguir fazer este exercício. Da mesma maneira, talvez seja fácil e um pouco covarde ver Chocolat como um rascunho de uma série de coisas que Claire Denis ia tentar fazer ao longo dos seus próximos filmes, mas difícil fugir disso também. Por outro lado, diz muito do poder deste rascunho a forma como ele me parece, por exemplo, mais forte do que White Material, filme no qual é impossível não pensar enquanto vemos este aqui. De fato, se a câmera de Denis (aqui já operada por Agnés Godard, mas ainda sem ela assinar a fotografia) parece aqui um pouco travada, incerta de como melhor filmar aquilo o que tem à sua frente, isso funciona a favor do filme que, talvez mais do que qualquer outro filme dela, é mesmo sobre as substâncias represadas que todos os personagens parecem trazer dentro de si (a imagem da lava de vulcões parece particularmente acertada quando pensamos na sequência incrível das mãos sobre o cano fervente). Se todos os filmes seguintes de Denis iam tentar mais e mais conseguir fazer a câmera filmar e fazer sentir o que move as pessoas por dentro, aqui ficamos no pólo contrário: os corpos e suas tensões e paralisias, que apenas permitem vislumbrar de leve algo que nunca (ou quase nunca) chega a se deixar ver. Também é interessante notar o uso que o filme faz das panorâmicas para revelar uma imagem, e apenas depois os olhos que vêem essa imagem - e que ao revelar um olhar, reconfigura a imagem anterior. Nesse sentido, o primeiro e o último plano tracejam um diálogo bem fascinante a se pensar. Finalmente, preciso dizer que pensei durante boa parte do filme na incrível sessão dupla que ele deve fazer com India Song. Uma experiência a ser testada em casa, no futuro.
(boa leitura: http://raffaelecaputo.wordpress.com/2011/06/11/chocolat-an-interview-with-claire-denis)
(visto na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, dentro da mostra "Claire denis: Um Olhar em Deslocamento)