27 de novembro de 2010

Lumekuninganna (The Snow Queen), de Marko Raat (Estônia/Noruega, 2010)

Embora absolutamente distinto em estilo, este Snow Queen faz curiosa dupla com Temptation of St. Tony, citado mais abaixo - associação ainda mais inevitável quando se vê os dois no mesmo dia, como foi meu caso. Formalmente, chama a atenção de novo uma tendência ao desconcerto na maneira como cortam abruptamente sequências em momentos de pico de dramaticidade, assim como realizam elipses e associações de imagens/climas absolutamente inesperadas. Mas, mais do que isso, o que dá um sentimento que talvez tenha algo de "estoniano" no fundo é uma maneira de mergulhar na ficção através de uma estranheza que, mais alegórica lá e mais simbólica aqui, certamente não tem quase nada a ver com nada que estejamos acostumados a ver com frequência. No caso deste filme, há que se destacar ainda o trabalho da atriz principal, que cria junto com a bela fotografia uma sensualidade quase mórbida mas extremamente carnal no retrato de uma mulher que, com câncer terminal, resolve seguir os conselhos de um guru amalucado e ir morar praticamente dentro de um lago congelado. A violência nunca está longe (física e psicológica), e o filme se constroi mesmo nas constantes quedas de braço emocionais dos personagens. Só que, sem nenhum trocadilho, o filme patina bastante numa certa repetição, inclusive na forma de lidar com a sua trilha sonora, por exemplo, como elemento criador de um "estado alterado". Resulta irregular, eventualmente enfadonho, mas difícil de se desinteressar visual ou sensorialmente.
(visto no cinema Solaris 6, em Tallinn, Estônia)

Lobotoomia (Lobotomy), de Yuri Khashchavatski (Estônia/Bielorússia, 2010)

Tomando como foco principal a recente guerra imposta pela Rússia à Geórgia, Lobotomia passeia em território bastante próximo do registro michaelmooriano - e embora seu diretor não assuma uma presença física na tela, sua voz em off surge constante e hiperpresente, quase sempre escorada por um fundo musical irônico baseado numa tarantella. Como Moore, ele também luta alguns bons combates importantes (especialmente no hipercontrolado tema da mídia e da manipulação de imagens do governo russo), e também como Moore nos apresenta alguns dados e imagens de arquivo bem impressionantes. No entanto, a força destas qualidades fica um tanto subjugada por uma montagem caótica que parece disposta a ir a qualquer lugar em qualquer momento, esvaziando um pouco seu raciocínio (ou ao menos tornando-o certamente menos acompanhável), assim como eventualmente seu humor se torna por demais cínico para que partilhemos dele de fato - embora ao fazer isso acabe revelando um inegável traço de personalidade da região (a capacidade de rir de desgraças bastante graves, e de fazê-lo com enorme fatalismo).
(visto em projeção digital no cinema Solaris 6, em Tallinn, Estônia)

Püha Tõnu Kiusamine (The Temptation of St. Tony), de Veiko Öunpuu (Estônia/Suécia/Finlândia, 2009)

Veiko Öunpuu não é um nome conhecido ainda no Brasil, nem mesmo nos festivais, mas já está no seu terceiro longa com alguma visibilidade no circuito internacional, sendo que este aqui foi exibido, por exemplo, em Roterdã e Sundance. Logo nos primeiros planos ele nos deixa entrever um pouco seu universo pessoal como cineasta, que ao mesmo tempo que nos remete a uma série de características comuns a um Béla Tarr ou Miklos Jancsó, mistura uma certa grande ambição artística com um humor absurdo, rasgado e dolorido, bem típico dos bálticos. Seu filme é bastante episódico (não por acaso, aliás, é dividido em 5 capítulos), mas o que realmente chama a atenção é uma tendência ao corte e à elipse em momentos bastante inesperados e súbitos na cena. A intenção (atingida) parece ser a de manter o espectador constantemente desorientado e incomodado, incapaz de se instalar com mais tranquilidade no mundo proposto. O filme transita entre a sátira alegórica com alguns dos suspeitos usuais como receptores (a sociedade burguesa, mas também os resquícios autoritários e burocratas do passado soviético), e um mergulho lisérgico num quase universo paralelo onde surge inclusive um inesperado Denis Lavant em cena. Há uma tendência um pouco sufocante de auto-importância artística que faz lembrar aqui e ali o pior de um Carlos Reygadas, mas há também uma inegável força de instalação e de aposta no risco (inclusive de perder de vez o espectador).
(visto no cinema Coca-Cola Plaza 2, em Tallinn, Estônia)

Seersant Lapinsi Tagasitulek (Return of Sargeant Lapins), de Gatis Smits (Letônia/Suécia, 2010)

Quem não conhece o humor letão? Certamente, eu não conhecia até ver este filme aqui na competição dos filmes bálticos do festival Black Night na Estônia, na qual eu estou como jurado. O filme nos pega um tanto de calças curtas com sua sensibilidade bastante particular - algo que certamente se repetirá ao longo destes dias, pois se o Leste Europeu tem um sentimento de mundo claramente todo dele, as ex-repúblicas soviéticas do Báltico parecem particularmente capazes de nos mergulhar em mundos estranhos. Assim, ele mistura alguns registros bem inesperados num humor que passa do absurdo à comédia de costumes com rapidez impressionante, e ainda joga no caldeirão uma sátira bem dolorida sobre o efeito da guerra sobre um personagem. No entanto, se inegavelmente ele constroi algumas piadas realmente boas (além de outros momentos em que não chegamos a rir, mas soltamos um sonoro "What the fuck!"), falta ao filme uma capacidade de dar conta do seu universo peculiar de personagens de maneira mais orgânica, que os torne igualmente interessantes. Há ainda uma certa confusão de ritmo e de andamento, com idas e vindas um tanto desnecessárias no tempo. (Filme visto na Sala Nokia do cinema Solaris, em Tallinn, Estônia)

26 de novembro de 2010

De volta

Esse blog foi bruscamente interrompido há pouco mais de sete meses, como de resto parece inevitável a todo e qualquer blog. Isso se deu principalmente pelo comportamento obsessivo-compulsivo de seu "dono", que uma vez atropelado por circunstâncias de trabalho e pelo acúmulo de filmes vistos sem conseguir anotar aqui o seu devido "parágrafo", preferiu parar de fazer já que não daria pra cuidar de todos do que simplesmente pular uns ou outros filmes.

O plano original era retomá-lo na virada do ano, mas enfrentemos o clichê do "ano novo, vida nova", de resto pouco mais que uma ilusão que criamos para nós mesmos. Façamos logo agora, primeiro pelo motivo prático de estar neste momento vendo muitos filmes num festival em Tallinn, Estônia, vários dos quais imagino que ficarão fora do alcance dos leitores brasileiros da Cinética, e aí a partir daqui podem ser minimamente registrados pra futuro interesse ou busca (se é que me entendem) dos amigos. Mas, segundo e não menos importante, porque a sensação de impotência e tristeza com o que acontece atualmente no meu Rio de Janeiro (e embora nada tenha de ufanista nem patriota - nacional ou local - me parece politicamente essencial assumir o pronome possessivo agora) me pede algum tipo de produtividade que salve da loucura. Vamos a ela então.

5 de abril de 2010

Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos, de Paulo Halm (Brasil/Argentina, 2009)

Seja pela sua extrema facilidade para escrever falas/discursos espertos, seja pelo fato de localizar o seu filme em meio a uma classe média carioca com aspirações artísticas, em meio a seus dilemas amorosos-existenciais, seria confortável colocar o longa de estreia na direção do Pepê (no blog se pode chamar os diretores pelo nome com os quais os tratamos) numa prateleira de comédia romântica carioca com propensão a leveza que beire a não existência. No entanto, isso seria comprar a mercadoria pelo valor de face sem olhar pra ela de fato. Pois desde o começo do filme, através de um saxofone na trilha, neons eventuais na iluminação e decoração de interiores hiper-trabalhada, indica-se uma improvável união de um imaginário cômico carioca, certamente devedor do parceiro constante atual de Pepê que é Hugo Carvana, com resquícios de um cinema paulista lá dos meados dos anos 80 (quando Pepê começa a trabalhar em cinema, diga-se). Improvável porque nada parece mais distante de um humor praieiro e malandro do que aquela angústia travestida em artificialismo de quem vive uma cidade dura de se ver pelo que é. Curiosamente, então, é este o Rio de Janeiro que sai do filme do Pepê: uma cidade bastante escura, onde mesmo quando se vai à praia, se vai de roupa e fica a paisagem fora de foco, onde o personagem principal parece sempre profundamente desconfortável consigo mesmo e com o seu entorno. É um Rio de Janeiro filmado poucas vezes, ainda mais no que se quer vender (não pelo diretor, mas pela comercialização mesmo) como uma comédia. Mesmo o aspecto sexual do filme, que tem uma presença e uma dimensão física como não se tem visto muito por aí, surge poucas vezes como encontro alegre de corpos - no que descamba na melhor e mais dolorosa (com duplo sentido, por favor) piada do filme. Mas talvez a melhro qualidade que eu veja no filme do Pepê seja mesmo o fato de que seu filme é claramente o retrato de um "merda" (daqueles que fracassa em se matar), mas que se irmana com esse merda e consegue se colocar de frente e ao lado dele - e acho que isso é uma das maiores dificuldades que o filme tem na sua relação com o espectador, porque irmanar-se com um merda não é posição confortável, nunca. Com uma presença muito forte de Caio Blat e um corpo perfeito (em muitos sentidos) em Luz Cipriota, o filme consegue os alicerces para sua narrativa, e tem seu clímax na cena triste, tristíssima, da visita noturna à casa do pai e a noite passada na cama de infância. A verdade é que há muita dor real e palpável em Histórias de Amor..., e isso, pra mim, é um tremendo elogio.
(visto pela segunda vez no Arteplex RJ, sala 3)

4 de abril de 2010

Ilha do Medo (Shutter Island), de Martin Scorsese (EUA, 2010); e Um Homem Sério (A Serious Man), de Joel e Ethan Coen (EUA, 2009)

Seria maravilhoso chegar aos filmes desprovido de pré-conceitos, principalmente aqueles passados adiante por seus próprios autores, mas também aqueles construídos a partir deles, seja nos textos e comentários de outras pessoas, seja principalmente pela simples noção da carreira pregressa de alguns cineastas - como estes aqui citados. Na verdade é este o meu principal motivo por gostar de ir a Cannes todo ano ver os filmes por lá: ganhar pelo menos esta chance de ver algo antes de ler opiniões sobre, um sentimento cada vez mais raro e precioso. Mas, aos autores e o peso de suas carreiras, destes não escapamos. E da necessidade sempre de precisar ter uma resposta na saída: é um Scorsese menor ou maior; é um passo à frente ou atrás, etc etc. Enquanto assistia aos dois filmes aqui, porém, sinto que conseguia sorvê-los pra além dos seus diretores, e foi isso que mais me deu prazer - mesmo que os dois filmes me pareçam tão perfeitamente obras destes.

No caso do Ilha do Medo, eu acho que há dois níveis em que o filme me interessa. Na construção estético-narrativa, há o óbvio prazer do Scorsese em montar aquelas cenas, em buscar determinados efeitos (alguns bastante grandiloquentes, outros extremamente sutis - principalmente no som), em brincar com seus atores (sim, porque há um sentido agudo de "to play" na maior parte das performances aqui, em especial Ruffalo, Kingsley, Von Sidow, Clarkson). Tudo isso dá ao filme, por mais horrendo/assustador que ele efetivamente seja, um sentido lúdico de degustar o prazer do cinema que é obra exclusivamente de alguns cineastas (e talvez não seja absurdo que o nome que tenha me vindo mais à mente, mais do que qualquer Fuller/Lang/Sirk das influências admitidas, seja o de Resnais). Por outro lado, eu sinto que há no filme algo de profundamente pessoal do Scorsese, muito mais do que ele deixaria pensar ou facilmente ver neste projeto aparentemente "contratado" e de gênero: afinal, pra além da questão das fronteiras da loucura mediada pela violência ser uma de suas obsessões conhecidas, há aqui algo mais que me parece tocar fundo nele, que é este sentimento de que, depois do Holocausto e da bomba atômica (heranças diretas colocadas sobre a sua geração, e certamente presente no seu imaginário enquanto crescia), falar em loucura e na relação desta com o Homem precisa ser feito em outro diapasão - uma vez que já tínhamos visto até onde se pode chegar. Nisso tudo é que as cenas dos campos de concentração me batem como extremamente firmes e adequadas ao filme. Mas, mais do que elas, as que realmente chocam e vão fundo são as de DiCaprio no final, chafurdando naquela violência caseira absolutamente insana. Aquela sequência ali (que não me soa a explicação definitiva e definidora de modo algum), ela sozinha acho que vale qualquer filme. Vontade de voltar a ele, em breve.

Um Homem Sério me pareceu ter algo de parecido no prazer da sua, digamos, degustação, que passa necessariamente pelo interesse solto de cada uma das suas cenas, mais do que o efeito do seu acúmulo (por mais que seja deste que o filme pareça buscar seu principal motivo). Sim porque seja em qual filme for de sua carreira, o que eu sempre mais gosto de ver nos Coen é o seu óbvio prazer em montar precisamente cada cena, seja no tempo dos atores e no enquadramento, seja depois no ritmo interno dos cortes e no uso do som. Aqui me parece que eles estão de novo dando uma clínica (e tenho certeza que o uso do termo fará salivar de prazer os detratores do seu cinema "frio e distante") em realização de cinema no que esta possui de mais micro da sua linguagem. Claro, tudo isso está a serviço de um discurso, o do caos que rege a vida humana, da ausência de sentidos maiores para ela, etc etc. Mas, honestamente, isso me parece no todo muito menos fascinante do que apreciar o prazer da dupla em colocar cada pequeno detalhe seu em cena (penso aqui no aparelho que suga o pescoço do tio, no timing daquela conversa no quintal com o pai do coreano e o vizinho miliciano, no uso da trilha). De resto, o sentimento de perda de contato com o mundo e as regras que o move é latente aqui, como no filme dos Scorsese, e que cineastas com tamanho controle do seu meio resolvam tratar da perda de controle é algo um tanto curioso.
(vistos no Arteplex RJ, salas 2 e 5, respectivamente)

O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella (Argentina/Espanha, 2009) e Avatar, de James Cameron (EUA, 2009)

O problema da minha mania de deixar pra ver os filmes no cinema depois que as salas ficam um pouco mais vazias é justamente que chego tarde em várias das discussões, como é o caso aqui do filme argentino ganhador do Oscar e do fenômeno do ano passado. E, pior, quando ouço muitas opiniões radicais de um lado e outro (algo que aconteceu em ambos os casos aqui), tendo sempre a me ver no final nem tanto ao céu nem tanto à Terra, já que geralmente acabo achando que cada lado forçou a barra pra marcar suas posições, e pra isso precisou ignorar o que obviamente é um copo nem todo cheio nem todo vazio.

No caso do filme argentino, por um lado acho difícil não perceber as qualidades óbvias de um trabalho de ourivesaria de roteiro e, acima de tudo, de construção de personagens através do trabalho dos atores (principalmente os coadjuvantes). Campanella revela aí o seu olho de diretor de séries de TV americanas: uma capacidade grande de tornar cada ser que entra em cena minimamente cativante e de colocar as palavras exatas em suas bocas (dá pra notar o prazer da plateia em ouvir as falas e o jogo dos atores). Por outro lado, também me parece difícil acreditar que alguém não note o quanto não funciona a história de amor que Campanella quer porque quer construir como um espelho/projeção possível a partir do que acontece na parte político-policial do filme. A atriz está muito, muito mal (em oposição ao elenco masculino preciso), e em nenhum momento sentimos pelos dois como um casal nada além de uma distanciada simpatia. Eu acredito na força que existe na observação de Campanella do período da ditadura como um marcado antes de tudo pelo sentimento da impotência frente aos desígnios oficiais, e nisso a cena no elevador me parece disparado a mais forte do filme. Já quando Campanella quer fazer "arte" (como no tão falado plano-sequência no futebol, ou no desfecho surpresa à la Eastwood), no geral mete os pés pelas mãos. Se reforça pra mim sua imagem de um realizador mediano, um operário, que quando se foca nos personagens (O Filho da Noiva, principalmente) é muito mais forte do que quando se dá a querer ousar.

Já no caso de
Avatar, também senti a projeção do filme como uma verdadeira montanha-russa de coisas muito excitantes e outras francamente constrangedoras - e nem estou falando tanto aqui da questão da banalidade de construção narrativa ou dos personagens militares (que têm sua graça como caricatura), mas principalmente de algumas opções estéticas mesmo (acho quase todas as criaturas ou a floresta em si um tanto dsesagradáveis de se olhar, num sentido new age mesmo). Mas, principalmente, o filme me parece apoiado numa base bastante frágil ao propor o seu discurso anti-militarista baseado num desenvolvimento narrativo e estético que me parece obviamente glorificador do prazer estético pela violência e a destruição física do inimigo. Não tenho nada contra nenhuma das duas coisas a priori, mas tentar me vender as duas ao mesmo tempo, confesso, me deu alguns engulhos principalmente nas batalhas do desfecho da trama (que, além de tudo, parece um mash-up das coisas mais esquisitas, como Matrix, Retorno do Jedi, Senhor dos Anéis - pra ficarmos nos corelatos estéticos mais próximos). Por outro lado, tudo aquilo que dizia respeito ao ato em si de transformar-se num avatar e adentrar esse outro mundo me interessou bastante, assim como essa ideia que me parece fisicamente bastante presente no filme de ganhar movimento após a paralisia (assim como a de tomar o lugar de uma outra pessoa - no caso, o irmão morto). Curiosamente pra mim, então, o filme funcionou mais nos momentos mais íntimos, mais em primeira pessoa, em que víamos e sentíamos este homem vivendo num outro corpo, do que quase tudo de espetacular que Pandora, etc, traziam. Fora isso, eu preciso falar que minha experiência pessoal com o 3D é uma de maravilhamento por uns 15 minutos, e depois eu habito aquilo de um jeito muito parecido como um filme em 2D. Talvez por sentar sempre tão na frente no cinema, eu sempre tenha me sentido um pouco "dentro" de qualquer filme que eu veja, e confesso que não sinto uma diferença tão grande não. E, inclusive, me incomoda um pouco (nem fisicamente, não tive desconfortos ou enjôos/dores de cabeça) a coisa de ler a legenda, ver as profundidades, sentir os efeitos, etc. Coisas de nova tecnologia, estou certo.
(vistos no Arteplex RJ, respectivamente nas salas 1 e 4)

Breve sumiço e dois docs vistos na África

O blog esteve parado nas últimas semanas, paradoxalmente apesar de grande atividade em salas de cinema. Acontece que eu estava no júri de um festival na África do Sul (Cidade do Cabo), e além de haver pouco tempo pra escrever, praticamente a maioria das coisas vistas eram materiais pensados quase que exclusivamente pra TV, e não valiam muito a pena de se usar o espaço aqui pra falar. Demos os prêmios praquelas que talvez fossem as duas grandes exceções, ainda que as projeções digitais de cópias em DVD (um problema que, nota-se, está longe de ser exclusividade nossa), não permitissem exatamente as melhores condições de análise. Mas, que fiquem citados aqui os títulos, quem sabe pra que algum programador de festivais os descubra, ou pra que alguém resolva correr atrás e baixar por aí: eram eles War Against the Weak, de Justin Strawhand (EUA, 2009), um filme sobre a ciência da eugenia que apela pra uns efeitinhos meio bobos aqui e ali, mas que tem uma pesquisa de arquivo e uma noção de ritmo bem impressionantes; e Kentridge and Dumas in Conversation, de Catherine Meyburgh (África do Sul, 2009), cujo título é cristalino em dizer que o filme colocará lado a lado estes que são dois dos maiores artistas plásticos sul africanos (e do mundo) hoje, e a partir de um papo aberto entre os dois mergulha no seu fazer artístico e nas suas obras de uma maneira ao mesmo tempo discreta e bastante instigante. Belos trabalhos, ambos.

9 de março de 2010

Sobre comentário no Paragrafilme

Acabei de descobrir que tinha uma opçõa meio draconiana selecionada nos settings do blog como default pra comentários. Só pra avisar, a quem por acaso já tenha tentado comentar antes, que agora eles estão liberados.

8 de março de 2010

O Amor Segundo B. Schianberg, de Beto Brant (Brasil, 2009)

O que diferencia o filme de Brant de toda essa recente onda de filmes sobre processos de realização que incorporam algo dos reality shows e/ou das várias novidades digitais é justamente o fato de que para ele o processo de captação das imagens nunca se torna uma questão dentro do filme. Brant podia ter explicitado seu processo de fechamento de dois atores numa casa cheia de câmeras de vigilância, sua relação como diretor com o processo, etc e tal, e teria um filme plenamente "contemporâneo". Mas é um cineasta não só mais inteligente que isso como, acima de tudo, um que acredita muito no poder da ficção pra cair nessa armadilha. Como resultado, ele aposta todas as fichas no fato de que, mais do que o processo do filme em si, seus dois atores conseguirão construir uma relação entre eles e entre cada um deles e seu personagem que resultará interessante o suficiente na tela. O resultado dessa aposta, em que o filme joga todas as suas fichas, pra cada espectador, é o que determinará o sucesso ou não do filme. Da minha parte, eu acredito plenamente na força do que resulta na tela, onde a estética das câmeras usadas interessa muito menos como processo e mais como resultado, que possibilita a captura de determinadas imagens improváveis, de inúmeros instantes pregnantes. O jogo que se estabelece no filme sobre representação não é interessante porque teoria, mas sim porque prática, pela forma como toda a relação entre os dois personagens só se dá a partir dessa questão. A ideia de performance atravessa o filme de maneira muito firme, com humor e sem se levar mais a sério do que precisa. Se há detalhes desnecessários (como as legendas na tela ou alguns usos da música), nada disso é mais presente que os vários momentos marcantes, seja pelo jogo dos atores (e da atriz com a câmera em alguns belos planos), seja pelo resultado surpreendente da sua técnica precária, que leva a algumas imagens à beira do pontilhismo nos pixels. B Schianberg é mais um filme em que a inquietude de Brant surpreende e atinge resultados firmes.
(visto, pela segunda vez, na sala 1 do Arteplex Rio, projetado em digital - formato oficial e único de exibição do filme )

28 de fevereiro de 2010

Riri Shushu no subete (All About Lily Chou-Chou), de Shunji Iwai (Japão, 2001)

Uma experiência e tanto este quinto longa de Iwai, cineasta que de resto eu não conhecia. O filme é bastante desencontrado nos seus longos 140 minutos de duração, com enormes perdas de ritmo e foco no seu desejo de abarcar uma quantidade enorme de sentimentos e climas em torno da vivência adolescente no Japão contemporâneo, mas também deixa inúmeras imagens na memória por um bom tempo. Ao tratar por um lado da questão da intensa vivência virtual desta nova geração ao mesmo tempo que lida com os temas atemporais da inadequação, da pressão do coletivo e da busca de parâmetros pra se sentir melhor frente ao mundo nesta fase da vida, Iwai mergulha num universo que mistura o mais doentio e o mais sublime lado a lado, sem nenhum medo nem de ser profundamente perturbador nem de resvalar constantemente no mau gosto e no brega. Nesse sentido, é um filme realmente adolescente, porque se coloca praticamente no mesmo nível de seus personagens - e aí até mesmo sua forma desencontrada de se estruturar ganha um outro sentido. Assistir o filme em película 35mm também teve um outro sabor importante, o de colocar em pauta um filme certamente importante no contexto desta década que já ia acabando, e que não tínhamos tido a chance de ver no Brasil ainda. Pensar o filme como sendo de 2001 certamente o torna tão mais forte como experiência, porque embora algumas de suas tentativas pareçam um pouco ingênuas hoje (como reproduzir na tela de cinema o ambiente de um chat na internet, por exemplo), naquele momento elas tinham um outro peso.
(visto no cinema 1 do CCBB-RJ, dentro da mostra Zona Livre)

American Astronaut (EUA, 2001) e Stingray Sam (EUA, 2009), de Cory McAbee

O que mais impressiona nos filmes de McAbee é a disposição de ir até o fim com a cosntrução de universos absolutamente fechados em si mesmo, com uma lógica totalmente própria que aponta pra uma série de caminhos sem precisar explicá-los. São filmes que, até por sua mistura de gêneros (western, musical, ficção científica B), nos fazem pensar o tempo todo na história do cinema americano mais comercial, mas que ao mesmo tempo recusam todo tipo de facilidade nessa relação. Há sim semelhanças possíveis de se encontrar com o cinema de Guy Maddin, mas o humor tipicamente norte-americano de McAbee tornam seus filmes ao mesmo tempo mais leves e muito mais rascantes que qualquer coisa que eu já vi de Maddin. Stingray Sam tem ainda o adendo de ser um filme pensado em episódios, para passar tanto no YouTube ou celulares como numa tela de cinema, que dá a ele uma outra camada de aparência de filme barato, de seriado à moda antiga. Mas o que toca mesmo nos filmes é que, piadas e universos autocentrados à parte, McAbee acredita muito nos seus personagens e investe muito na verdade deles, o que consegue não raro emocionar (caso do bizarro Professor Hess de American Astronaut). McAbee não corre nenhum risco de revolucionar o cinema, mas nos apresenta algo de novo no cenário americano atual pela sua total independência seguir por caminhos bem menos esperados que o batido hipernaturalismo.
(visto no cinema 1 do CCBB-RJ, projetados em vídeo, dentro da mostra Zona Livre)

25 de fevereiro de 2010

Instrument, de Jem Cohen (EUA, 1998)

Logo no início de Instrument aparece na tela: "a film by Jem Cohen and Fugazi". E essa parece mesmo ser a principal chave pra se entender este filme: não é certamente um documentário sobre uma banda, mas um documentário com uma banda. Mesmo que em nenhum momento (até um pequeno plano já nos créditos finais) a figura do cineasta Cohen seja explicitada como um amigo da banda Fugazi, o que fica claro é que o filme só pode existir dessa relação de admiração e intimidade que passa pela forma de lidar com a idéia de indústria cultural (muito parecida para a carreira de ambos), mas que principalmente passa pela paixão pela música e pela energia de ver o Fugazi ao vivo. Neste sentido, Instrument parece especialmente adequado de se pensar como um "documento", porque ele informa muito pouco e testemunha muito mais. Há uma junção de estilos entre o free punk rock do Fugazi e as digressões audiovisuais que Cohen tanto gosta de fazer, e o resultado é que o filme funciona quase sempre sob o signo de um certo estado hipnótico. Seus 115 minutos são muito pouco narrativos, e muito mais presenciais - lembrando nisso, aliás, um bom show de rock.
(visto na sala 1 do CCBB-RJ, projetado em vídeo - seu formato original -, dentro da mostra Zona Livre)

24 de fevereiro de 2010

Good Dick, de Marianna Palka (EUA, 2008)

O começo de Good Dick é bem assustador pra todo mundo que está cansado (e quem não está, aliás?) de um certo cinema independente americano fofinho, que vive do elogio pelo elogio de uma certa quirkness pentelha e arrogante no seu mundinho de tiradas espertas e desprezo pelo resto do mundo. No entanto, logo fica claro que, na relação entre seu casal protagonista, Marianna Palka está disposta a ir bem mais fundo na estranheza, sem nunca perder o horizonte do humor de vista, construindo uma relação que nos desafia o tempo todo a simpatizar ou antipatizar com cada um dos personagens. Há no filme um prazer tocante pela informação sugerida mas nunca explicitada que é bem peculiar na maneira como se coloca em cena (com direito a uma citação clara ao cochicho final de Lost in Translation). Para além disso, Good Dick é um filme que se constroi visualmente de forma muito inteligente, e que ainda nos dá o prazer de rever na tela, mesmo que numa breve cena, o grande Charles Durning, figura marcante pra quem construiu seu cabedal inicial de imagens de cinema a partir do cinema americano do fim dos anos 70 e começo dos anos 80 (e que andava sumido de um papel decente desde E Aí Meu Irmão Cadê Você).
(visto na sala 1 do CCBB-RJ, projetado em vídeo, dentro da mostra Zona Livre)

Jedné Noci v Jednom Meste (One Night in One City), de Jan Balej (Rep. Tcheca, 2008)

Na verdade, One Night in One City é, antes de um longa, uma coletânea de curtas que mais partilham um universo audiovisual do que uma narrativa. A criação de um universo palpável onde circulam suas figuras é, sem dúvida, a grande qualidade do trabalho de Balej, cuja opção pela animação de bonecos e massinha faz sentido absoluto justamente pela extrema materialidade dos ambientes que explora. Dentro do seu universo distintamente europeu oriental, Balej constrói uma certa mistura entre um universo de tintas fortemente kafkianas com uma lógica (ou ausência dela) que faz lembrar mais de uma vez as experiências com animação que Terry Gilliam criava para o Monty Python (e que, de uma forma ou de outra, se refletiram nos seus filmes posteriores). Fascinado pelos temas da memória e do apagamento, Balej se interessa acima de tudo pela criação de elaborados rituais secretos e pessoais nos universos de cada um dos seus personagens (a cena no apartamento do "cremador de cachorros" é marcante pacas). Há ainda no seu universo torto e obscuro uma insuspeita ternura, que se espalha e domina totalmente a cena em segmentos como o do Sr. Galho e do Sr. Barbatana.
(visto na sala 2 do CCBB-RJ, projetado em vídeo, dentro da mostra Zona Livre)

Um Dia Qualquer, de Líbero Luxardo (Brasil, 1962)

Muito mais que saber que este é um filme brasileiro de 1962, o leitor precisa saber do seguinte: este é o primeiro (e continua um dos únicos) longa PARAENSE realizado na história. Ver o filme sem pensar nisso com frequência é não ver o filme - que tive oportunidade de assistir porque vai sair em breve na coleção da Programadora Brasil, e eu escrevi o texto crítico que acompanha o DVD. Não vou me ater longamente ao filme justamente por já ter escrito este texto referido acima (e a idéia aqui do blog é escrever sobre aquilo que não escrevo em outros lugares), mas quis fazer menção aqui porque acho importante sabermos da existência não só deste filme em si, mas da oportunidade de vê-lo agora em DVD por aí. É um tremendo choque a liberdade de criação de Líbero Luxardo, que é claramente um admirador do cinema clássico, mas tb conhecedor das experiências dos cinemas novos que cercavam aquele momento. Um tipo de filme que só pode mesmo ser feito num estado tão fora de qualquer idéia de indústria ou de grupo de produção, fruto de um isolamente difícil de imaginar hoje, na era das imagens a disposição de todos. E, se tudo isso fosse pouco, o filme nos lembra ainda como a discussão "ficção influenciada pelo documentário" é antiga e já deu resultados mais interessantes. Um filme a ser buscado por quem se interessa por.... bem, muita coisa, mas principalmente cinema.
(visto em DVD)

10 de fevereiro de 2010

O Homem que Engarrafava Nuvens, de Lirio Ferreira (Brasil, 2008)

É difícil falar deste filme sem simplesmente repetir boa parte do que diz o Francis no texto dele na Cinética, porque parece bem claro que o grosso dos problemas do filme está resumido ali. Eu só levaria mais adiante a questão de que esta fratura entre vários diferentes filmes que existem dentro do mesmo filme aqui é acentuada por duas pulsões que vêm de fontes diferentes. De um lado, a gente vê o mesmo Lírio Ferreira que co-dirigiu Cartola, e que busca sempre que possível ousar esteticamente dentro do formato tão careta a priori do documentário biográfico. Aqui isso fica especialmente claro nas várias inserções de cenas raras da história do cinema brasileiro (trailers, cinejornais, trechos) que atendem principalmente a um desejo dele de mostrá-los, muito mais do que do filme de prescindir deles (e nada contra, são momentos fortes pra quem gosta de cinema nacional). Do outro lado, tem todo o discurso afetivo-pessoal da produtora e filha do biografado, Denise Dummont, que assume um esquisito papel duplo mal resolvido de objeto do filme (dá entrevista inclusive ao lado da mãe), e sujeito do mesmo (os entrevistados se dirigem sempre a ela, deixando ver quem capitaneava os processos de conversa do filme). Me parece claro que toda fratura exposta no filme vem destes dois desejos firmes e fortes que em nenhum momento quiserem se curvar ao outro, e que com isso acumulam belos momentos, que no entanto fluem com a graça de um elefante por uma montagem que não chega a conseguir fazer deles um discurso só. O filme tem charme e considerável emoção, mas é episódico, cansativo, digressivo, um tanto perdido. Em vários sentidos, prefiro isso ao documentário certinho e sem alma, mas tb seria falso dizer que se trata de um filme que dá conta de suas missões auto-impostas.
(visto no Arteplex Rio, sala 5)

Trash Humpers, de Harmony Korine (EUA, 2009)

Não é por mera coincidência que pensamos no John Waters dos anos 70 (o de Desperate Living e Female Trouble principalmente) vendo este mais recente filme de Korine. Existe antes de tudo no filme um desejo de desagradar, de ser grotesco e grosseiro, de eventualmente forçar o espectador a desviar o olho da tela. Mas existe ainda (e é aí que se aproximam) o desejo ainda mais forte de propor com esta sociedade paralela desregrada e doentia um espelho que reflita sobre a falta de nexo da sociedade estruturada e "bem resolvida". O filme de Korine tem um quê de desejo de choque gratuito (a maneira como a violência entra no filme, por exemplo, é bem boba), um outro tanto de auto-reflexividade que o simplifica demais (o discurso na ponte, principalmente, mas tb as brincadeirinhas visuais com o VHS), mas nada disso tira a força presente no que ele tem de melhor, que são as cenas mais desconectadas de qualquer lógica, na figura mesmo destes quatro seres com seus rostos bizarramente deformados e claramente mascarados, nas suas vozes, expressões e canções distorcidas. Sem dúvida Korine se refastela um pouco demais no seu status de enfant terrible auto-criado, mas sem dúvida também é preciso dizer que ele faz aqui um filme como nenhum outro no cinema mundial atual.
(visto no cinema 1 do CCBB-RJ, projeção em DVD, dentro da mostra Zona Livre)

4 de fevereiro de 2010

Lula, o Filho do Brasil, de Fabio Barreto (Brasil, 2009)

Fica bem claro (pelo menos para mim ficou) ao longo da projeção que o grande termo para definir este Lula é mesmo "funcional". Tudo que compõe o filme está lá seguindo a lógica deste termo tão caro ao mundo contemporâneo - a começar, aliás, pela sua própria existência, que sentimos ser toda baseada numa lógica de marketing e de exploração de um momento histórico (e nisso não deixa de ser o mais irônico de tudo que o filme não tenha... er... funcionado nas bilheterias). É o termo funcional que explica inclusive a correção "estética" que o filme todo possui: nada dos constrangimentos recentes de um Bela Donna, de um Jacobina, de um Caravaggio. Com bastante dinheiro em caixa, Fabio Barreto chama uma série dos mais competentes técnicos brasileiros (do roteiro à finalização de som e trilha, passando por cada um dos outros aspectos técnicos), e realiza de maneira absolutamente correta cada passo da jornada de Lula, do interior à Vidas Secas ao quase documentário à la anos 70. Cada cena e personagem é estudado para significar algo exato para o desenvolvimento e mensagem do filme ("a jornada de um brasileiro heróico"), e estão na tela o tempo preciso para isso. Tudo está ali, no seu lugar. Só que a ironia é essa: ao tentar o melodrama clinicamente estudado, Barreto mata aquilo que é a chave do sucesso de um bom melodrama, ou seja, o descompensado, o exagero, o excesso, a falta de pudores. Lula se deseja então um melodrama científico. O resultado não podia ser outro: um filme que assistimos a 200km de distância, quase com uma caneta e prancheta na mão marcando "ok" pra cada passo estudado do personagem/roteiro. Ou seja, extremamente funcional porque deseja servir pra todos, o filme, obviamente, não serve pra nada nem ninguém de fato.
(visto no Cinemark Botafogo sala 2)

Tiradentes em um parágrafo

Envolvido na Mostra de Tiradentes de diferentes maneiras (como curador de curtas, mas tb como editor da cobertura da Cinética, mediador de debates, mas principalmente espectador obsessivo das sessões), era impossível ter tido tempo pra escrever sobre cada filme visto, como propõe este blog. mas talvez valha quebrar a lógica e dar então um parágrafo à mostra em si. No que tange os curtas, claro que eu sou bem suspeito pra dizer algo, então digo apenas que dedicarei textos inteiros a alguns dos meus favoritos do ano numa pauta que a Cinética coloca no ar até o começo da semana que vem. No que tange os longas, já conhecia uma boa parte do Festival do Rio do ano passado, e entre eles e os que não conhecia (a maioria do Aurora) me parece que foi, tendo eu meus favoritos e "desfavoritos" como sempre, o conjunto mais firme de proposições instigantes de cinema que já vi por Tiradentes. Os debates filme a filme nos dias seguintes foram quase sempre bem fortes, possibilitando do todo das conversas que saíssemos com uma boa série de coisas a desenvolver a partir das individualidades e do conjunto - não é pra isso que pode servir uma mostra, acima de tudo? Finalmente, como disse no Facebook logo ao chegar, Cabeça a Prêmio, Morro do Céu, Terras, Estrada pra Ythaca, Belair e A Falta que Me Faz são filmes que não esquecerei tão cedo (com Esperando Telê, Insolação e Os Inquilinos me deixando vários outros pontos firmes na lembrança), mas Pacific me parece agora, numa primeira impressão, o filme a não se perder de vista. A maioria destes espero rever assim que puder, e aí dedicar pelo menos um parágrafo aqui a eles.

14 de janeiro de 2010

Não!!!

Este blog não morreu cedo de inanição. Eu que passei 2 semanas em merecidas férias longe do cinema e dos filmes (embora não das leituras sobre eles). Semana que vem a coisa volta ao (a)normal.

1 de janeiro de 2010

Entre Deus e o Pecado (Elmer Gantry), de Richard Brooks (EUA, 1960)

Assim que acabei de ver Elmer Gantry, fui dar uma pesquisada rápida e uma coincidência incrível se revelou: o livro de Sinclair Lewis foi escrito/lançado exatamente no mesmo ano (1927) que Oil!, de Upton Sinclair. E daí? O fato é que ao longo do filme de Brooks me veio à cabeça justamente There Will Be Blood, o filme de PTAnderson baseado no texto do Sinclair número 2 (e certamente a performance principal de Burt Lancaster aqui tem reflexos no que Daniel Day-Lewis fez), e depois disso descobrir esta simultaneidade não significa absolutamente nada, certamente, mas foi uma surpresa e tanto. Elmer Gantry é um filme hipnótico que consegue, pro meu gosto, dar o passo que o filme de PTA não conseguia: ousar uma enorme paródia/resumo de uma América prensada entre a hipocrisia e a ignorância das fés capitalista e religiosa, e ainda assim dar vida a seus personagens pra além de construções cinematográficas. Há uma tal vida nas pulsões (sexuais, inclusive, fortíssimas) e no desespero de todos os personagens, que vão levantando véus depois de véus de carências e calhordice, onde ao mesmo tempo em que não sobra pedra sobre pedra das instituições (não só a igreja leva porrada aqui, mas também a polícia, os políticos, a imprensa, etc), sai do meio daquilo tudo uma crença grande no ser humano apesar e principalmente nas suas falhas. Nesse sentido, é a relação de admiração mútua entre o jornalista Jim e o insano Elmer que dá o diapasão do filme: nenhum sentido de ingenuidade nem de calhordice natural, apenas o entendimento do jogo que cada um joga, que nada tem de puro ou bem intencionado per se. Um filme de tantas camadas e cenas de embasbacar, que faz realmente pensar que em 1960 Hollywood estava num outro lugar.
(visto no TCM)

Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski (Brasil, 2009)

O filme pintou em mais de uma lista de melhores do ano por aí, geralmente sob as platitudes de sempre do tipo "uma aula de história essencial", como se o cinema fosse pra ser substituto pedagógico de alguma coisa. Claro está porém que o mais interessante a se falar e diferenciar no filme é mesmo um tratamento bastante inusual do material sonoro e visual, ainda mais em se tratando de "tema sério"- mas sobre isso acho melhor indicar o texto do Rodrigo, que vai fundo nos pontos principais. Para além do que ele disse, porém, eu queria adicionar (ou reforçar) duas coisas que acho bem fortes no filme. Primeiro, a inteligência com que percebe que dar a voz aos dois lados não é tanto questão de justiça e sim de ser a melhor maneira de desnudar um pensamento tão estúpido que precisa ser lido de um papel (como é o caso do Brilhante Ultra, esta besta). Neste processo, o filme cria um ou dois efeitos puramente cinematográficos (pois de montagem e superposição de idéias via som/imagem ou cortes) que são das mais fortes acusações anti-ditadura que se viu nas telas (e muito mais eficazes que aquele batido clipe de imagens de resistência com musiquinha ufanista, francamente dispensável). Segundo, vale destacar que o filme é uma iniciativa absolutamente pessoal, como se vê pela ausência de qualquer logomarca no começo. Isso não é um elogio automático de nada, mas acho que é algo que precisa sim ser destacado como aspecto importante do filme. Que o Chaim Litewski (que não conheço nem nunca tinha ouvido falar) tenha levado um filme como este adiante do começo ao fim por sua conta (com o apoio firme dos Asbeg, Pedro e José Carlos) é uma coisa bem impressionante e significativa. Eu até acho que o filme tem muito de "importante aula de história" e servirá bem pra fins acadêmicos em DVDs por aí, mas vê-lo no cinema é bom por muita coisa que não seja isso.
(visto no Unibanco Arteplex Rio, sala 3, em projeção Rain)