22 de julho de 2011

Red, White and Blue, de Simon Rumley (EUA, 2010); Anoitecer Violento (Stake Land), de Jim Mickle (EUA, 2010)

Sem dúvida Red, White and Blue é o mais impressionante desses dois filmes - e a palavra é usada com muita adequação, porque o filme é desses do qual não se sai ileso ao final. Embora nem sempre eu ache que o estilo elíptico e excessivamente autoconsciente da montagem funcione a favor, é inegável como Simon Rumley constroi muito bem seus personagens - mais na metade da história que se refere ao "casal" principal, é verdade (no que a figura de Noah Taylor - na foto acima - já constroi boa parte do que ele precisa simplesmente por sua presença em cena). E como ele nos faz "cair como patinhos" na sua estrutura onde o "horror", per se, só vai explodir mesmo lá na frente, mas vai se embrenhando aos pouquinhos quase por baixo da nossa pele. Quando o faz, porém, é realmente algo doloroso de assistir, uma sequência de cenas difíceis de se encarar - e, claro, menos por qualquer gore exibido (embora haja), mas principalmente pelo nível de identificação criado antes.
Já no Stake Land estamos em território muito mais familiar desde o começo (um clássico setup de filme de zumbi/vampiro apocalíptico), mas o seu diretor também é muito bom em criar climas e personas (o Fernando, curador do RioFan, me fala muito bem dos trabalhos anteriores dos dois, aliás, figuras a ter em mente no futuro). De fato, Jim Mickle é talentoso demais até pro seu próprio bem, porque ao mesmo tempo em que ele consegue superar qualquer precariedade de produção, criando um filme que, por sua inteligência de encenação, soa bastante grande quando é bastante "caseiro" (especialmente notável a sequência em que os vampiros "caem do céu"), por outro lado o filme acaba se conformando um pouco demais com certas coisas que o John Carpenter outro dia chamava de "overproduced" (seja na trilha, seja no andamento de roteiro colocando mais personagens em cena do que precisava, etc). Mas, uma coisa é certa: o uso das locações e paisagens é dos mais inteligentes que eu vejo em um tempo no cinema de terror.

Embora tenham bem pouco em comum, é interessante que os dois filmes sofram um tanto de um mesmo problema, algo um pouco recorrente demais no cinema de gênero recente. Seja porque queiram se filiar a nobilíssimas linhagens (que vão de Romero a Carpenter), seja porque sentem necessidade de se "justificarem" numa cultura de cinema bastante careta, os filmes parecem empurrar goela abaixo de suas narrativas significados e temas políticos (o militarismo americano num, a intolerância religiosa no outro), que entram sempre em razoável desacordo com seus tons principais. Os filmes são maiores que seus discursos, sempre.

(vistos na sala 1 da Caixa Cultural, em projeção digital, no RioFan 2011)

20 de julho de 2011

Aterrorizada (The Ward), de John Carpenter (EUA, 2011)


Curioso que hoje eu fui parar numa leitura desse texto aqui sobre o Eles Vivem, e ele me ajudou a pensar melhor sobre a opção do Carpenter de voltar a filmar depois de 10 anos com esse The Ward. Sim, porque em muitos sentidos, tudo aquilo que o Nicolas Saada aponta como central pro Carpenter no momento em que ele quebra com o regime que vinha filmando para fazer uma elegia a um certo filmar possível dentro do cinema B é o mesmo que podemos ver neste filme novo. Primeiro, pelo sentimento de huis clos que carrega boa parte do filme depois da introdução: The Ward é extremamente sucinto, com uma série determinada de personagens, numa mesma locação - o que empresta ao filme uma cara de "cinema barato" muito interessante, uma energia curiosamente concentrada e solta ao mesmo tempo. Depois que o filme, em última instância, volta a alguns temas muito caros ao Carpenter, a começar pela mesma questão de que o mundo que enxergamos não é confiável como tal, que há "algo podre no reino da Dinamarca" - e que esse algo podre, em última instância, está mesmo dentro de nós. De resto, ele usa com muita inteligência tanto alguns clichês cinematográficos típicos do subgênero do "filme de manicômio", como principalmente o seu elenco jovem feminino (cuja irrealidade já é óbvia desde o primeiro plano). Aliás, isso pode ser um tema de discussão bastante equivocado sobre o filme: o fato de seu roteiro ser, afinal, bastante óbvio. No entanto, não me parece ser nem um pouco uma questão pro Carpenter os motivos pro que acontece, mas sim o fato daquilo tudo acontecer (algo que já está naqueles créditos de abertura sinistros sobre imagens manicomiais). E a "surpresa final", cá entre nós, é muito menos uma surpresa (ou um gimmick) do que a constatação de que a sanidade é sempre um conceito volátil a beça. É, em suma, um filme "lean and mean", que ninguém vai confundir com uma obra-prima, mas que é bom a beça de qualquer jeito.
(visto na sala 1 da Caixa Cultural, em projeção digital, na abertura do 2º RioFan)

5 de julho de 2011

X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class), de Matthew Vaughn (EUA, 2011)


X-Men: Primeira Classe é escravo de alguns senhores distintos, e Matthew Vaughn sabe disso bem. Por um lado, existe a expectativa de um enorme público (pra não dizer de seus produtores) pra que ele faça mais um "blockbuster de ação" (ou seja, eventualmente algo vai ter que explodir bem alto, e muitos efeitos de computador terão que ser usados); por outro, ele sabe que está mexendo com uma mitologia caríssima a uma legião de fãs sem as quais não poderá ter chance de sucesso. Por um lado, Vaughn precisa achar espaço pra seu senso inegável de "fun" (e se a sequência inevitável do "treinamento dos jovens X-Men" é o que mais demonstra isso, há um traço em vários outros pontos do filme, como na maquiagem quase barata do Fera ou na escalação em pequeníssimos papeis de gente como Michael Ironside e Ray Wise); por outro, não é fácil ser "fun" num filme de herois cuja primeira sequência se passa num campo de concentração, e possui um personagem tão perturbado(r) quanto Erik/Magneto. Que o filme resista (quase) inteiro a tamanha esquizofrenia não deixa de ser um elogio e tanto a Vaughn, que consegue dosar seus tons sem chegar a perder o espectador nunca (a não ser em pontos isolados), principalmente por entender que é no relacionamento entre Charles e Magneto que repousa a sorte de seu filme (e não no romance tentado de Fera com Mystique, que nunca chega a decolar). Nisso, ele conta com dois ótimos atores em McAvoy e Fassbender, que conseguem ser trágicos sem tirar o filme do seu centro, e dão toda crença em personagens que um dia serão, afinal, Patrick Stewart e Ian McKellen. E Vaughn ainda conta com duas cerejas no bolo: Kevin Bacon, em ótima sacada doidivanas pro vilão; e o background da Guerra Fria, nunca levado a sério demais ao ponto de atrapalhar a briga entre mutantes.
(visto no São Luiz 1, em 35mm)

29 de junho de 2011

Série de textos sobre Claire Denis

http://www.kinoeye.org/index_03_07.php

Entrevista com Claire Denis

http://www.sensesofcinema.com/2002/23/denis_interview/


Beau travail, de Claire Denis (França, 1999)

Beau Travail é um daqueles filmes que nos impõem o limite de lidar com a matéria audiovisual usando meras palavras. A verdade é que nada que eu escreve servirá nem pra quem viu o filme reconhecer aqui sua experiência, nem pra quem não viu o filme entender porque ele é algo tão forte que se carrega conosco - pela duração e depois. Mas, tentar essa inútil ponte segue sendo a sina do crítico (mesmo "ex"), e não fujamos dela portanto. Claro, antes de tudo, que ele é o filme que, junto com o seguinte Trouble Every Day (2001), potencializa e encontra no ápice do domínio/risco/encontro tudo que estava no cinema de Claire Denis desde os primeiros filmes (muito falados abaixo), e cuja força é tão grande que ameaçaria muito os próximos (e me parece notável como ela - e seus colaboradores - conseguiu fugir destes perigos, com humor, sensibilidade, inteligência e autoconsciência - algo parecido por exemplo, com o que se deu com o Tarantino pós PulpFiction/Jackie Brown). Mas algumas coisas se deve dizer: primeiro sobre a forma como o filme usa dois elementos para além (ou em complemento) ao seu já muito decantado "cinema do corpo" (elementos que estão em seus outros filmes, mas aqui se mostram decisivos demais) - a paisagem e o rosto. Entre o rosto de Denis Lavant e as paisagens desérticas aqui expostas, todo um universo existe. Um universo que nos remete pra trás no cinema (Apocalypse Now, certamente) e se expande pra depois (Gerry, por exemplo), mas que acima de tudo choca pela mistura de coerência total (portanto remete a muito pensamento, conceito, ideais) com um instinto de cinema e de vida incomum nos planos, cortes, encenações, música. É um filme que ao mesmo tempo que apresenta todo seu jogo já na primeira sequência, não para de nos fascinar e surpreender. O que mais se pode dizer sem só soar ridículo no elencar de superlativos? Apenas que não é fácil entender como um filme consegue ser tão abstrato a partir do que há de mais concreto no mundo (as presenças - dos corpos, dos atos, dos espaços) - ou vice-versa. O filme resta um mistério. Que bom.
(boa leitura: http://www.kinoeye.org/03/07/delrio07.php)
(entrevistas: http://www.bfi.org.uk/sightandsound/feature/30;
http://film.guardian.co.uk/interview/interviewpages/0,,338784,00.html)
(visto na sala 1 da Caixa Cultural-RJ, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Deslocamento)

28 de junho de 2011

Noites Sem Dormir (J´ai pas sommeil), de Claire Denis (França, 1994)


Assisti Noites Sem Dormir em 3 situações muito distintas: primeiro na época, sem nenhuma referência de Claire Denis e antes até de entrar numa faculdade de cinema (e com menos de 20 anos de idade); depois, na Sessão Cineclube da Contracampo, já com alguma noção de quem ela era e devidamente (de)formado em cinema (mas ainda com menos de 30 anos); e revejo agora, em meio à mostra completa dela, já tendo não só visto a maioria dos filmes posteriores, como finalmente os dois anteriores (ainda com menos de 40 anos). Certamente, vi 3 filmes muito diferentes, entre o primeiro que em grande parte me escapou completamente mas deixou algumas imagens na memória; o segundo que me chocou (positivamente) e me apresentou muitas coisas que eu ia rever e repensar; e este terceiro, que surge muito mais domesticado - pelo meu conhecimento da própria carreira dela, pelo contexto particular do seu cinema. Por isso tudo, talvez este terceiro tenha sido o Noites Sem Dormir que eu mais entendi e "apreciei", mas também o que menos me impressionou. Digo, estava tudo lá, da "coerência com as questões" que tanto traz prazer aos autoristas (não tô me excluindo do lote não, longe disso), até os "reconhecimentos audiovisuais" (de atores a modos de expressão pela linguagem às irrupções de música), mas confesso que faltou justamente o sentido de choque e estranheza que alguns de seus outros filmes me trazem ainda hoje (com algumas exceções, como os planos de abertura, nada domesticáveis - dos policiais rindo no helicóptero). O sentimento de "displacement" que povoa esse filme de imigrantes e pessoas que moram em hoteis é forte, e existe uma ponte entre ele e o Summer of Sam do Spike Lee que realmente cria uma linha a ser explorada de aproximação entre os dois muito interessantes. Acho que o Juliano (Gomes) tem razão: é inegavelmente um belo filme se pensado em relação ao mundo de cinema que existe por aí, mas no contexto de imersão na Claire Denis mesmo, acaba não batendo tão firme.
(da série "boa leitura": http://www.contracampo.com.br/sessaocineclube/noitessemdormir.htm)
(visto - pela terceira vez - no Cine Maison, em 35mm, dentro da mostra Claire Denis: Um Olhar em Movimento)